terça-feira, 26 de agosto de 2014

Paris

Um dia estava em Paris e pareceu que te tinha visto. Ao fundo da ponte que levava ao meu hotel, quase a chegar ao café. Aquele do chocolate quente que bebia todas as tardes enquanto fumava um cigarro e lia um livro emprestado de uma das bancas da feira de antiguidades. Vi'te parado a olhar para o rio como se esperasses alguém. Mas ninguém chegava. Parei uns minutos para ter a certeza que eras tu. Esfreguei os olhos e engoli em seco cinco vezes. Tossi e espirrei. Precisei de dar açúcar ao meu sangue. Passado o que pareceram 2 horas dei o primeiro passo para me dirigir e ti.
Eu sabia que paris era a tua cidade, sabia que poderias estar lá naquela altura. Mas tinha rejeitado a ideia de te encontrar durante aqueles 3 dias que lá ia passar por falta de vôos directos para Helsínquia.
Eu sabia que tu sabias quem eu era. Já não se passava como há um ano atrás na praia em que eu sabia quem tu eras e o contrário parecia impossível e distante. 
Já tinhas revelado o segredo da nossa existência. Revelado que sabias o meu nome, que notavas a minha falta quando eu não estava. Revelado que gostavas de dançar ao pé de mim, ou que eu dançasse ao pé de ti. Com o passar do tempo os olás foram passando a beijinhos informais e desprendidos. Cada vez mais presos.
Passei muitas barreiras mas o que ia na minha cabeça lá continuava escondido. Só de ti, porque os meus amigos sabiam. Sabiam o que eu lhes contava. Os meus sonhos, as minhas ansiedades, os medos e os pensamentos atrevidos em que te agarrava e atirava ao chão. Mas até hoje há partes que só eu conheço de ti e de mim, de nós na minha imaginação. A emoção diária de um olhar, a imagem dos teus abraços e o teu toque na minha pele. As tuas festas que ainda sinto mesmo sem terem existido. 
O teu sorriso que se diverte com as minhas brincadeiras. Os teus olhos que se trocam de propósito para me fazer rir. O teu sotaque francês e as minhas tentativas de aprender a falar essa língua que sai da tua. Memórias destas que eu construí a partir da areia e que agora tento apagar para preservar um pouco da minha sanidade mental.
Chego a Paris e és a primeira coisa de que me lembro. Depois do croissant de chocolate que quero devorar, claro. 
O croissant ficou por comer. O resto é comigo.
Vou ter contigo e apoio-me no muro com um ligeiro impulso como se pensasse em atirar-me ao rio. E já estive mais longe de cometer tal loucura. Água fria parece-me uma boa opção e uma vez que me falta o nosso mar, penso em afogar-me aqui mesmo...na tua cidade. Como se respirasse a água em que foste criado, aquela que te regou e que foi expulsa contigo para o mundo. Para a realidade cruel em que estamos a viver, onde só encontro paz nos teus olhos meios fechados e na tua voz profunda que me viola sempre que me falas. 
Solta o cabelo e vem mergulhar. No rio gelado de Paris ou no mar quente da nossa praia. Mergulha nos meus olhos que se misturam com os teus e deixam de ver a miséria do mundo. Esquece as guerras e as pessoas más. 
Abraça-me e protege-me destes vícios. Destes ódios e destes preconceitos que me magoam. 
Olho para o céu para olhar para ti. Sinto a tua mão e agarro-a com tanta força que te ris e beijas-me para me distrair. Tenho medo de me perder.

Afinal não estou em Paris e não me livrei dos vícios. 

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