Um dia, enquanto previa o futuro dos meus amigos por meio das cartas com que antes jogávamos sueca, percebi que a maior parte deles tinha uma ideia errada do que seria um "ano de ouro" nas suas vidas. Aceito e admito a hipótese de que o significado atribuído por cada pessoa à mesma expressão seja diferente, o que faz com que o meu ano de ouro não seja em nada semelhante ao ano de ouro do Jaime. Para ele um ano de ouro, que eu previ ser aos 70 anos o que o deixou ansioso e um pouco descontente, significa viver minutos recheados de ouro literal, barras douradas e maciças do elemento mais precioso e talvez raro da Terra. Significa excessos sem consequências, alegrias ilimitadas e prazeres permanentes.
Para mim significa sacrifício e tristeza, amargura e dificuldade. Perda. Lágrimas, arranhões, gritos e saudade. Falta de ar, cartas lidas com angústia e notícias que chegam de repente. Arrebatador, era o adjectivo a que eu sinonimizava o ano de ouro.
Só com um ano assim podia sentir a realização e a felicidade que são transmitidas ao olhar para trás, sem ter que virar a cabeça nem alterar a direcção do olhar.
Memórias de situações difíceis e recordações do momento em que as ultrapassamos. Do momento em que nos sentimos mais aliviados, resolvidos, crescidos, diferentes. Melhores, talvez. Mais moldados e diferenciados. Mais certos, estando muitas vezes errados.
Um ano de ouro te de ser "Lento Doloroso" como diriam os Hurts e muito bem.
Concordo com o Jaime quando ele diz que ter o ano de ouro aos 70 parece muito tarde. Compreendo a ambição de atingir a felicidade mais cedo. Mas sabem? Acho que a felicidade não se atinge nunca, ou apenas talvez naquele ultimo e único segundo antes de morrermos. E esse momento só traz genuinamente felicidade se tivermos tido muitos anos de ouro.
Pois é, isto leva-me a concluir que as cartas servem para jogar à sueca (o que, honestamente, devia aprender de uma vez por todas visto começar a tornar-se um pouco ridícula a minha falta de aptidão e capacidade de execução deste raciocínio especifico) mas não para ver o futuro. Conclusão esta que me desilude um pouco, tenho de admitir. Tinha a sua piada tentar olhar para além da evidencia e determinar coisas pouco determinantes e em nada concretas.
E assim ficámos o resto da noite, a tentar jogar à sueca muito longe da Suécia e a tentar adivinhar o futuro, que se prevê lento e doloroso (quanto mais, melhor).
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