quinta-feira, 19 de junho de 2014

Sacos de ossos não vêem ovnis

Tinha um professor que nos falava em ovnis. Fechava a porta da sala e dizia que era contra o que nos obrigavam a fazer. Questionava os métodos de aprendizagem da escola na altura, e fazia-nos questionar a nós também. Incentivava a que nos insurgíssemos contra o padrão, não deixando de cumprir as regras para que não fossemos prejudicados. Colocava sempre três pontos de interrogação à frente da palavra "normal".
Este professor fazia-me pensar e eu sempre gostei das pessoas que me fazem pensar. Que pensam comigo. Que pensam como eu, ou não necessariamente. Ele fazia mais que isso. Numa sala com seis alunos eu concentrava-me só nele e era como se as suas histórias e as suas palavras só se dirigissem a mim. Eu respondia-lhe e ele, ignorando os outros alunos que me ouviam e riam-se de mim. Riam-se dele também. Na altura achava que o riso servia para disfarçar a falta de opinião, a falta de imaginação, que para eles não fazia diferença mas para mim era como não ter um olho. E para o meu professor também. 
Ele falava sobre a avó, sobre a noite em que ela morreu e foi ter com ele para o avisar. Falava da vida. Da presunção humana que nega a existência de mais formas de vida inteligente no Universo. 
Ele contava-nos histórias sobre o triângulo das bermudas e aparentemente eu era a única que sabia do que se tratava. 
Lembro-me de me questionar acerca do resto das pessoas daquela sala, porque a mim e ao meu professor eu entendia. Entendia a avó dele, os barcos que desapareciam para nunca mais voltar, os restantes seres do Universo, a dinâmica dos Universos paralelos...tudo isso eu entendia (melhor) do que a mente daqueles meus colegas. Daquelas pessoas que me entristeciam. 
Elas afirmavam com determinação que não acreditavam em nada para além do que viam ou ouviam ou tocavam. E quando se lhes perguntava se nunca tinham sentido nada inexplicável elas diziam que não. "Acha que é um esqueleto que anda aqui para um dia adormecer e e acordar num nada eterno?" perguntava o professor focando-se naquele olhar vazio. "Sim..." respondia o saco de ossos com um encolher de ombros. "Belo trabalho daquela articulação escápulo-umeral" pensava eu na linguagem deles. 
E assim terminavam as reuniões com este professor. Estimulação, compreensão, espiritualidade e inspiração deparavam-se contra o cepticismo e a arrogância de quem não se deixa acreditar. De quem se obriga a ser infeliz ou a viver numa felicidade (para mim) bastante esquisita: aquela que provém do conhecimento empírico, da certeza. 
Eu recuso-me. Olho para os dentes salientes de quem se ri das ideias libertadoras e tenho pena. Tenho pena da prisão em que se fecham e da vida que abdicam. Tenho pena do desejo de normalidade que as assombra e faz refém. 
Saía da sala com a ideia de transcendência e lembro-me do meu professor e da sua avó que, quem sabe, simpatizou com a minha.

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