quarta-feira, 23 de abril de 2014

Não gosto do nome Rosa

Ela é como uma flor que precisa de ser regada, mas ninguém se lembra de o fazer. Ninguém perde tempo a deitar uma gotas de vez em quanto. Gostam de a ver e de a cheirar mas não falam com ela. Pensam que ela não ouve, que não precisa de ninguém. Só porque tem uns espinhos e é vermelha cor de sangue. Rodeada de outras como ela mas menos bonitas. Rodeada de outras como ela, que não só mais que um conjunto de pétalas biologicamente programadas para abrir a fechar a horas certas, para cheirar todas ao mesmo perfume, para terem todas a mesma cor vermelha, para picarem os inimigos que ameacem a sua sobrevivência. 
Ela é igual mas tão diferente ao mesmo tempo. E gostava que alguém lhe dissesse isso. Gostava que escrevessem sobre ela e que a desenhassem e emoldurassem o desenho numa moldura bonita.
Gostava que cantassem músicas sobre ela e que a fotografassem com maquinas analógicas e que fizessem efeitos de luz mágicos à volta dela.
Às vezes não fechava as pétalas durante a noite, ficando a observar o mundo quando o resto das coisas dormia e se mantinha inconsciente. E outra vezes fechava-as durante o dia, para não ter de ouvir o barulho do corta-relva e as conversas das outras flores sobre as mesmas coisas de sempre que nada lhe interessavam. O cheiro dela era mais forte, uma mistura de doce e amargo que só agradava a alguns. Aos mais criativos, normalmente. Aos mais apaixonados. Aos mais inconformados.
A sua côr era mais brilhante, uma mistura de preto e vermelho, de luz e de escuridão, de vida e de morte. Uma côr hipnotizante que só passava despercebida aos fúteis, indiferentes e gananciosos. 
Os seus picos eram mais afiados e picavam amigos e inimigos. Uma mistura de amor e ódio. Protecção e ataque. Não por maldade mas pela mágoa que a indiferença provocava nela. A indiferença das pessoas em relação a ela, e dela em relação ao mundo. 
Às vezes acordava e gostava do que via, gostava do que sentia. Abria-se para o céu e deixava o sol entrar. Ou a chuva. Ou a abelha que a acaricia para conseguir o seu mel. Cambada de interesseiros.
Ela também, e por vezes arrependia-se. Arrependia-se e envergonhava-se das vezes em que se aproximava de alguém com os picos retraídos, só para ouvir coisas bonitas sobre ela. Só para se sentir especial. E quando não dava resultado, fazia-os engolir o próprio sangue, debaixo do zumbido das abelhas que morriam cada vez que ferravam um coração inocente. 

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