Blurry

-Mas estás bem?
-Eu não me sinto bem. Mas pode ser só impressão minha. Está demasiado nevoeiro.
-Nevoeiro? Está o dia mais quente do ano, nem uma nuvem no céu e a brisa não chega para nos secar o suor da testa!
-Não estava a falar desse nevoeiro. Olho pela janela e vejo sol, mas tento olhar aqui para dentro e só vejo cinzento. Como naquele dia na Irlanda em que não conseguimos ver nada porque o nevoeiro estava cerrado e não passava por nada!
-Para dentro de casa? Tens nevoeiro dentro de casa? Acho que isso não é possível...se calhar são os teus óculos que estão sujos.
-Não...não estás a perceber. E eu não consigo explicar melhor. Está mesmo muito nevoeiro. E tem estado assim nos últimos dias. Às vezes consigo que levante um bocadinho. Mas volta sempre. É pior do que aquele que apanhamos dia sim dia não na Irlanda. Esse dava-me vontade de me enroscar no sofá ou de passear cheia de casacos, de entrar nas lojas que estavam aquecidas e de o sentir na cara para refrescar e ter a certeza que estava ali. Este não me deixa tranquila, não me deixa pensar. Não consigo escrever nem me encontro em lado nenhum. Vejo o mundo à minha volta mas o meu mundo parece suspenso. Não se mexe, como se não existisse. Como se tivesse parado e eu sem conseguir fazer nada. Sem o pôr a mexer. Ainda por cima não estou na Irlanda. Isto é Portugal e o nevoeiro faz-me pior. Não o sinto na cara nem consigo refrescar. Não me apetece enroscar no sofá. Apetece-me soprar e afastar as nuvens. Apetece-me ressuscitar e ver o meu mundo a mexer. Mas não consigo.
-Hmm...então...o que queres para o almoço?
-Não consigo comer nada. Há dias que não como, lembras-te? Eu disse-te que era por causa do nevoeiro mas tu não acreditaste. Mas é mesmo.
-Estás-me a preocupar. Não sei o que te diga. Pareces maluca, sabias?
-Exacto! É assim mesmo que me sinto. Maluca...enevoada por dentro. Já começas a perceber?
-Não, desculpa.
-Dá-me só café. Hoje só quero café. Este nevoeiro irrita-me!